Talvez você não conheça Marcelo Hoog de Sá, mas se assistiu a algum filme decente em Salvador nos últimos 20 anos, deve ter sido no cinema dele. Marcelo era sócio do Circuito Sala de Arte: uma pequena rede de cinemas que é basicamente a única opção na cidade fora dos multiplex.
Ele era uma festa de ser humano. Por causa dele, os cinemas eram sempre lindos e coloridos, o bolo era bom, o café era bom, tudo tinha que ser especialmente bonito e cheiroso. Penso nele como um hedonista mão aberta, porque o prazer tinha que ser em cada detalhe, e não bastava que terminasse nele próprio.
Ele era um empresário, mas note que por décadas a Sala de Arte não tinha concorrência. Ou você via aqueles filmes ali ou simplesmente não via, então, a festa do ambiente não era tanto um diferencial de mercado — era mais um diferencial da pessoa do Marcelo.
A gente se conheceu quando eu tinha 16 anos e colava fanzines clandestinamente nos banheiros do cinema dele. Era o Filosofia Privada: o fanzine que comecei a publicar no colegial, sempre colado em cabines de banheiro, de frente pro vaso sanitário. O nosso mote era “um coletivo de escritores que sabe o seu lugar”, mas se a gente soubesse mesmo não diríamos que éramos escritores, pra começo de conversa.
Sem se importar com a contravenção, ele nos chamou na sala dele, deu permissão para fazermos o que já fazíamos, disse que a gente tinha que mudar isso e aquilo pra deixar o fanzine lindo e que nada a ver um papel colado na porta do banheiro sem proteção higiênica, por isso instalou bolsinhas de acrílico em todas as cabines. Por que isso? Éramos eu e o Fernando, meu namorado. Dois adolescentes desconhecidos e toda a falta de jeito do mundo.
A gente passou a ir ao cinema de graça e ele disse que conhecia um menino que tinha tinha tinha que escrever com a gente, embora achasse que o menino nem escrever escrevia. O menino em questão era Tuti Minervino e foi a primeira pessoa que eu conheci e instintivamente já soube de cara que era um artista.
Por anos a gente encontrava o Marcelo quase todo fim de semana, almoçando no Nirá ou no Grão de Arroz ou no Saúde na Panela. Ele fazia piadas sexuais com o pai do Fê na fila do almoço, depois sentava na nossa mesa e dizia coisas como “eu achava que estava triste, mas não estava triste, estava só sem dinheiro”. Era uma pessoa agradável de encontrar, de conversar, de pensar junto, que achava que os filmes deviam ser bons, o pão de queijo devia ser quente e que de cada canto dos lugares devia sair um cheiro maravilhoso. Se esse tipo de pessoa não é fundamental, então eu não sei qual seria.
Marcelo
Como também sou uma pessoa da Internet de antigamente, faço questão de deixar um comentário aqui. :)
Que coisa mais linda, Juliana. Você abraçou a memória dele quando escreveu esse texto tão bonito. Sorte do Marcelo, que recebeu o carinho, e nossa, que podemos testemunhar pela janelinha tão interessante que é esse blog.
Sempre textos lindos - mas hoje em especial foi de emocionar.