Me pergunto se algum de nós vai se recuperar da covid. Entre vivos e mortos desses três anos, sequelamos-nos todos.
Se eu soubesse lá atrás o tempo que duraria e o preço que custaria, acho que ter entrado na pira dos cursos on-line seria uma das poucas coisas que teria feito igual. De todos os truques para lidar com o que está acontecendo, dar e receber aulas pela internet foi a única coisa que funcionou comigo. Sem isso, fica a dúvida de como eu estaria após todo esse tempo de uma doença que nos fez enxergar os outros como ameaça sanitária e os encontros como burladas perigosas.
A gente acaba de abrir uma turma nova do Lendo o Nosso Tempo e foi nisso que andei pensando: em como esse curso que surgiu em 2019 já era uma tábua de salvação para os problemas de 2020.
O LNT é um curso de literatura contemporânea que tenta chacoalhar os livros pelo ombro e perguntar: o que você já adianta que eu ainda não vi?
Porque uma das muitas funções da literatura é adiantar as coisas. O poeta é o único vidente da modernidade, dizia Rimbaud. É o artista que pega as coisas difusas de seu tempo e dá pra elas uma forma — uma primeira forma, geralmente torta e precária, mas uma forma. É a falta de método da arte que permite que ela aprisione na nascente ideias, fenômenos, sentimentos que só vão ganhar nome e definição bem mais pra frente.
Eu não tenho lidado bem com a ideia de ser surpreendida. A empolgação juvenil que acreditava que qualquer coisa podia acontecer! há muito foi substituída pelo pavor adulto de que, sim, qual-quer coisa pode — e vai — acontecer.
Nessa toada crescentemente neurótica, ler literatura contemporânea virou para mim um ato detetivesco. Não é terapia, é previdência privada. Eu encaro livros bons e maus, que serão lembrados e varridos, e a pergunta mais importante que tenho para eles é: o que você já diz que eu ainda não sei ler?
PS: A ideia inicial era escrever um texto animado, convidando os leitores dessa newsletter a se inscreverem na próxima turma do Lendo o Nosso Tempo, que começa no dia 7 de março. Não foi dessa vez, mas colo abaixo uma arte bonita e bem mais publicitária com todos os detalhes que gostaria de contar.
na minha muy modesta e leiga opinião, ocorreu uma alteração bem visível na percepção da alteridade, por causa da pandemia; tenho uma série de pensamentos anotados sobre isso mas não sei alinhavar num texto (ao menos um pouco similar a um) texto acadêmico. Já implorei para minha filha Antropóloga redigir um textinho mas ela me desdenha como diletante pretensioso...