Obrigado pela leitura! Fascinante ver como qualquer passatempo, quando começa a ser difundido em massa, vira histeria cultural coletiva. O que mais me chamou a atenção foi o argumento estilo "red pill" (para usar um termo que está na moda hoje em dia) que você cita. O movimento parece ser similar: quando homens percebem que seu monopólio está sendo impactado (seja no hábito de leitura, ou na esfera pública), partem para o argumento de "quem é mais macho".
Juliana, curti o experimento com o ChatGPT. Talvez seja um comentário injusto pq essa é apenas a primeira parte do texto, mas uma coisa que tenho pensando é: qual o processo mental que o ChatGPT não emula? Ou: qual parte do nossa atividade mental não pode ser robotizada? E, lendo o texto, me parece que é certo caráter associativo ou analógico, que é justamente o salto explicativo de usar coisas não imediatamente relacionadas pra que elas de iluminem mutuamente. Todos os exemplos - que imagino que você co-editou com o ChatGPT - são fascinantes, mas ainda muito próximos. Acho que o ChatGPT poderia ajudar a empilhar exemplos infinitamente (talvez isso tenha até a ver com um dos temas do texto, que é a crítica à voracidade do consumo de livros e ideias), mas ele não faz o salto. Alguns exemplos de salto que eu adoraria ver:
- A que a histeria do romance se compara hoje? Demonização de Netflix, redes sociais, doomscrolling?
- Nessa comparação, o que se ilumina sobre a leitura de romances no século XIX e, sei lá, nosso uso de Instagram hoje? A usuária compulsiva de Instagram é a nova Madame Bovary, que persegue uma vida talvez impossível e idealizada, mas que lhe parece mais próxima devido à intimidade e facilidade da mídia?
- Qual o motivo da perda de estigma do romance no século XX? Porque a leitura, de coisa vista com desconfiança e que deve ser suprimida, virou um bem em si, que deve ser elevado e estimulado? O que está por trás dessa mudança brutal?
Acho que o meu tuíte anunciando o post deve ter ficado confuso, mas eu não usei o GPT. A crise com a ameaça do GPT me fez pensar que eu deveria escrever em inglês para aumentar minha sobrevida como redatora. Ou seja, ele me motivou a escrever nessa língua, mas não me ajudou a escrever o texto.
Até tentei fazê-lo me ajudar com coisas simples como buscar referências, me sugerir livros que eu não conhecesse sobre esse tema e encontrar a fonte de determinadas afirmações, mas, por enquanto, ele só mentiu descaradamente e inventou tudo. O problema é que mesmo essas invenções já assustam não pelo conteúdo, mas pelo formato concatenado e certinho das respostas do chatbot.
Sobre a sua última pergunta, que é a única que sei responder, a queda do estigma tem a ver com a queda da leitura, assim como o crescimento do estigma tinha a ver com o crescimento das taxas de leitura. Também tem a ver com o fato de que o romance foi domesticado, mas aí é um assunto mais complexo que eu preciso de outro texto pra explicar.
Hahahha então joga fora meu comentário, mas daí confesso que não entendi nada! O ChatGPT não é muito melhor em inglês, porque ele usa um material mais variado e numeroso? Eu só falo com ChatGPT em inglês porque ele é inacreditavelmente mais poderoso em inglês. Não que eu seja uma heavy user, mas qualquer os experimentos em português - em termos de usar o ChatGPT como co-editor - é muito menos impressionante do que em inglês. Em inglês até dá pra sair um texto ok, mas você tem que cutucar muito o ChatGPT pra ele ficar mais interessante. Uma explicação que li e foi preciosa é que ChatGPT não é mecanismo de busca, é mecanismo de escrita criativa. Se você pergunta por algo que ele não sabe, ele vai inventar na moral.
Faz sentido essa explicação aí da escrita criativa porque, de resto, ele mente pra mim tanto em inglês quanto em português.
Fui olhar meu log com ele e, até hoje, após duas semanas de testes, a ÚNICA pergunta que me gerou uma resposta sem nenhuma mentira foi quando perguntei pra ele quais foram as primeiras civilizações a desenvolverem a escrita. Considerando que fiz mais de 20 perguntas, não tô achando uma boa média, rs.
Também pedi pra ele revisar alguns trechos de texto. Aí ele revisou bonitinho, só que não consigo convencê-lo a alterar apenas o que for erro gramatical. Ele sempre coloca tudo na ordem direta e me devolve um trecho bem mais burocrático e "certinho" do que eu gostaria. Também não rola pedir pra revisar mais do que um parágrafo por vez, senão ele se atrapalha.
Não sou redatora então falo sem skin in the game, mas me parece que o cenário distópico de AI está mais embaixo. O cenário realmente distópico é os modelos de linguagem, tipo o ChatGPT, serem a ponta do iceberg: https://en.m.wikipedia.org/wiki/Existential_risk_from_artificial_general_intelligence (mas daí a loucura entra em outro nível. Tem um vídeo que está circulando por aí que vem com o alerta de “se você não quer ter uma crise existencial, não assista”. Eu estou de boa de crise existencial e não assisti, mas quem sabe num momento de menor sabedoria eu me submeta a isso)
Excelente texto, parabéns!
Muito interessante! A sua pesquisa de doutorado é sobre isso?
Não, rs. Na verdade é bem nada a ver com isso. É sobre José Lins do Rego.
Obrigado pela leitura! Fascinante ver como qualquer passatempo, quando começa a ser difundido em massa, vira histeria cultural coletiva. O que mais me chamou a atenção foi o argumento estilo "red pill" (para usar um termo que está na moda hoje em dia) que você cita. O movimento parece ser similar: quando homens percebem que seu monopólio está sendo impactado (seja no hábito de leitura, ou na esfera pública), partem para o argumento de "quem é mais macho".
Juliana, curti o experimento com o ChatGPT. Talvez seja um comentário injusto pq essa é apenas a primeira parte do texto, mas uma coisa que tenho pensando é: qual o processo mental que o ChatGPT não emula? Ou: qual parte do nossa atividade mental não pode ser robotizada? E, lendo o texto, me parece que é certo caráter associativo ou analógico, que é justamente o salto explicativo de usar coisas não imediatamente relacionadas pra que elas de iluminem mutuamente. Todos os exemplos - que imagino que você co-editou com o ChatGPT - são fascinantes, mas ainda muito próximos. Acho que o ChatGPT poderia ajudar a empilhar exemplos infinitamente (talvez isso tenha até a ver com um dos temas do texto, que é a crítica à voracidade do consumo de livros e ideias), mas ele não faz o salto. Alguns exemplos de salto que eu adoraria ver:
- A que a histeria do romance se compara hoje? Demonização de Netflix, redes sociais, doomscrolling?
- Nessa comparação, o que se ilumina sobre a leitura de romances no século XIX e, sei lá, nosso uso de Instagram hoje? A usuária compulsiva de Instagram é a nova Madame Bovary, que persegue uma vida talvez impossível e idealizada, mas que lhe parece mais próxima devido à intimidade e facilidade da mídia?
- Qual o motivo da perda de estigma do romance no século XX? Porque a leitura, de coisa vista com desconfiança e que deve ser suprimida, virou um bem em si, que deve ser elevado e estimulado? O que está por trás dessa mudança brutal?
Acho que o meu tuíte anunciando o post deve ter ficado confuso, mas eu não usei o GPT. A crise com a ameaça do GPT me fez pensar que eu deveria escrever em inglês para aumentar minha sobrevida como redatora. Ou seja, ele me motivou a escrever nessa língua, mas não me ajudou a escrever o texto.
Até tentei fazê-lo me ajudar com coisas simples como buscar referências, me sugerir livros que eu não conhecesse sobre esse tema e encontrar a fonte de determinadas afirmações, mas, por enquanto, ele só mentiu descaradamente e inventou tudo. O problema é que mesmo essas invenções já assustam não pelo conteúdo, mas pelo formato concatenado e certinho das respostas do chatbot.
Sobre a sua última pergunta, que é a única que sei responder, a queda do estigma tem a ver com a queda da leitura, assim como o crescimento do estigma tinha a ver com o crescimento das taxas de leitura. Também tem a ver com o fato de que o romance foi domesticado, mas aí é um assunto mais complexo que eu preciso de outro texto pra explicar.
Hahahha então joga fora meu comentário, mas daí confesso que não entendi nada! O ChatGPT não é muito melhor em inglês, porque ele usa um material mais variado e numeroso? Eu só falo com ChatGPT em inglês porque ele é inacreditavelmente mais poderoso em inglês. Não que eu seja uma heavy user, mas qualquer os experimentos em português - em termos de usar o ChatGPT como co-editor - é muito menos impressionante do que em inglês. Em inglês até dá pra sair um texto ok, mas você tem que cutucar muito o ChatGPT pra ele ficar mais interessante. Uma explicação que li e foi preciosa é que ChatGPT não é mecanismo de busca, é mecanismo de escrita criativa. Se você pergunta por algo que ele não sabe, ele vai inventar na moral.
Faz sentido essa explicação aí da escrita criativa porque, de resto, ele mente pra mim tanto em inglês quanto em português.
Fui olhar meu log com ele e, até hoje, após duas semanas de testes, a ÚNICA pergunta que me gerou uma resposta sem nenhuma mentira foi quando perguntei pra ele quais foram as primeiras civilizações a desenvolverem a escrita. Considerando que fiz mais de 20 perguntas, não tô achando uma boa média, rs.
Também pedi pra ele revisar alguns trechos de texto. Aí ele revisou bonitinho, só que não consigo convencê-lo a alterar apenas o que for erro gramatical. Ele sempre coloca tudo na ordem direta e me devolve um trecho bem mais burocrático e "certinho" do que eu gostaria. Também não rola pedir pra revisar mais do que um parágrafo por vez, senão ele se atrapalha.
Não sou redatora então falo sem skin in the game, mas me parece que o cenário distópico de AI está mais embaixo. O cenário realmente distópico é os modelos de linguagem, tipo o ChatGPT, serem a ponta do iceberg: https://en.m.wikipedia.org/wiki/Existential_risk_from_artificial_general_intelligence (mas daí a loucura entra em outro nível. Tem um vídeo que está circulando por aí que vem com o alerta de “se você não quer ter uma crise existencial, não assista”. Eu estou de boa de crise existencial e não assisti, mas quem sabe num momento de menor sabedoria eu me submeta a isso)
Infelizmente quero ver esse vídeo, sim. Vou procurar, rs
Tá na mão: https://youtu.be/gA1sNLL6yg4
O podcast é de uns malucos de crypto mas o lance é que o Eliezer Yudkowsky é referência no assunto e tá explicando for dummies.